Se você esteve ligado na internet nos últimos dias, provavelmente ficou sabendo que o ator Charlie Sheen revelou em um programa de televisão que é portador do vírus HIV.
Em entrevista para o TODAY, o americano disse que soube do diagnóstico há quatro anos e decidiu vir a público com sua história para “acabar com os ataques” que vinha recebendo. Ele se refere às pessoas em quem confiou o segredo, mas o extorquiram em troca de silêncio.
O artista decidiu se manifestar um dia antes de uma série de reportagens serem publicadas pelo National Enquirer, que afirmou ter feito um trabalho de 18 meses sobre a condição de saúde de Sheen.
Uma publicação querer expor um portador de HIV desta maneira é bastante desumano. É direito da pessoa contar ou não sobre sua sorologia e isso não exclui celebridades. Por ser um famoso, seria uma ótima maneira da mídia falar sobre o assunto, quebrar estigmas que cercam o vírus e conscientizar as pessoas, contudo, o que aconteceu foi um circo midiático e muita gente condenando o ator e até mesmo ridicularizando-o. Isso não é apenas cruel com Charlie Sheen, mas com todos os portadores de HIV.
Primeiro, é preciso esclarecer algumas coisas. O HIV é o vírus que transmite a AIDS, porém, ter o primeiro não implica ter o segundo. A AIDS é o estágio mais avançado da infecção, quando o sistema imunológico do indivíduo já está comprometido. Ou seja, Charlie Sheen não tem AIDS como foi propagado por algumas pessoas nas redes sociais.
Com o tratamento antirretroviral, a pessoa soropositiva vive uma vida comum, isso porque, mesmo carregando o vírus, a medicação ajuda a fortalecer o sistema imunológico do paciente. Desde 1996 o governo brasileiro oferece gratuitamente os remédios a quem precisa tomá-los. De acordo com o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, estima-se que 734 mil pessoas tenham HIV no Brasil, sendo que 589 mil delas sabem do diagnóstico e 404 mil estão em tratamento.
E o estigma em torno do HIV ainda desempenha grande papel na busca por ajuda. Pegue o próprio exemplo de Charlie Sheen: logo que a notícia se espalhou, muitos culparam seus envolvimentos com prostitutas e abuso de drogas. Ao invés de acolhimento, muitos estavam prontos para julgar o comportamento do ator e seus parceiros sexuais, o que continua a propagar o mito de que essas pessoas são mais suscetíveis a contrair o vírus, além de reforçar um estigma sobre garotas de programa.
Tudo ganha uma magnitude maior por estarmos falando de uma celebridade, mas é possível imaginar o que uma pessoa comum e que acabou de saber que é portadora do HIV precisa lidar: olhares, julgamentos e terror psicológico.
Isso leva a outro fator pouco discutido, mas que foi brilhantemente lembrado pelo site Mic: a função que a depressão desempenha em quem tem ou não o vírus. Charlie Sheen contou em sua entrevista ao TODAY que ficou deprimido após o diagnóstico positivo para HIV. “São três letras difíceis de absorver. É uma mudança drástica na vida de alguém. Eu estava tão deprimido pela posição em que eu me encontrava e bebia bastante.”
A matéria traz um estudo britânico que examinou o comportamento de homens gays sem HIV que tinham depressão. Os resultados mostraram que, quanto mais deprimidos eles estivessem, mais propensos a terem sexo desprotegido eles estavam, colocando-os em mais riscos de contato com o vírus.
Davi Fawcett, autor do livro “Lust, Men and Meth: A Gay Men’s Guide to Recovery”, contou ao Mic que os motivos para que pessoas deprimidas estejam propensas a contrair HIV são diversos. “Muitas vezes, falta a elas energia suficiente para o auto-cuidado ou estejam lidando com um trauma ainda não tratado”, ele explicou.
Um outro estudo de 2012, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, com 201 soropositivos trouxe resultados preocupantes. 53% dos pacientes interromperam o tratamento por estarem deprimidos. A falta de tempo e medo de perderem o emprego também foram citados como fatores importantes.
Também é preciso esclarecer que o HIV só é adquirido através de sexo sem preservativo, contato de sangue contaminado com sangue não contaminado, compartilhamento de seringas, agulhas e outros materiais cortantes, e de mãe para filho durante a gestação. No caso deste último, a contaminação pode ser evitada.
Beijos, saliva, usar os mesmos talheres de um portador de HIV e outros tipos de contato não transmitem o vírus. O uso da camisinha e profilaxias são os melhores métodos para a prevenção. Para saber se a contraiu, é só fazer um exame de sangue.
Por fim, é direito da pessoa que possui HIV manter sigilo sobre sua condição. Por melhor que seja conversar sobre o assunto, para que possamos quebrar estigmas e tabus acerca do tema, ninguém é obrigado a dizer que possui o vírus.
Tudo isso é o que deveríamos estar falando após a revelação de Charlie Sheen, e não apontar dedos e julgá-lo por suas ações. Isso afeta não só a ele, mas todos os portadores de HIV.
E para ficar ainda mais fácil e divertido falar sobre um assunto ainda tão estigmatizado, a Jout Jout conversou com ator/cantor/diretor/dramaturgo Gabriel Estrela, que é soropositivo, e tira todas as dúvidas que você possa ter.
Informação é sempre a melhor arma contra o preconceito.
Por Artur Francischi do Prosa Livre