O Pink Floyd, tema principal das turnês de Roger Waters, não é apenas uma das maiores bandas britânicas de rock que esse planeta já recebeu; é uma instituição cultural popular monumental. O impacto que o Pink Floyd teve no mundo artístico como um todo não pode ser subestimado; sua música é atemporal e remontou o final dos anos 60 – quando saíram da cena musical underground de Londres – criando músicas de rock psicodélicas criativas com seu genial vocalista Syd Barret e depois progrediu em atos que reconceituou completamente os caminhos do rock.
Após uma inesperada reação do público no primeiro show de Roger Waters no Brasil (vaias e críticas às suas abordagens políticas), o clima de tensão e ansiedade para reações ainda mais hostis ganhou força, já que chegamos na semana pré-eleitoral. Tanto que muita gente estava sendo impedida de entrar com adesivos ou broches de seus candidatos. No entanto, o show no Rio de Janeiro não teve qualquer incidência e transcorreu na maior tranquilidade. A verdade é: ao contrário do que aconteceu em São Paulo, tanto ele quanto a maioria do público que esteve presente no Maracanã nesta quarta-feira chuvosa, sabiam o que esperar um do outro.
Mas isso não quer dizer que Waters tenha deixado seu ativismo político de lado esta noite – que nada. Ele tem escrito letras sobre autoritarismo, guerra, morte, poder e feito críticas a governantes por décadas, e seria totalmente incoerente que hoje, aos 74 anos de idade, saísse da curva. Ele apenas fez algumas modificações, como por exemplo, deixar a parte que aparecem os nomes dos líderes políticos no intervalo do show (quando certamente chama menos a atenção). E reservou para o finalzinho da apresentação, o momento de discurso social e homenagem à vereadora Marielle Franco (assassinada este ano). De resto, tudo continuou igualzinho, exatamente como nós do Rock On Board adiantamos há alguns meses [confira AQUI].
A estrutura preparada para este espetáculo é algo especial. Caixas de PA’s foram penduradas por todo o estádio do Maracanã e um maravilhoso telão ocupou toda a extensão do que seria um palco convencional. Nele, a imagem de uma mulher olhando para um horizonte, com som de vento e trovoadas. Já a chuva que caía no Maracanã era real e durou a noite inteira. Como estava previsto no repertório, “Breathe”, clássico de Dark Side Of The Moon, deu início ao show, que começou 20 minutos atrasado. Por falar nisso, setlist é baseado quase que exclusivamente no período de 1971-1979, que abrigou os cinco álbuns mais bem sucedidos do Pink Floyd: Meddle, The Darkside Of The Moon, Wish You Were Here, Animals e The Wall.
O show foi dividido em duas partes. A primeira consistiu em obras-primas como “One of These Days”, “Time” (e seus relógios tiquetaqueando no telão), “The Great Gig in the Sky” e “Welcome to the Machine”. Algumas das músicas do novo álbum de Roger Waters também foram adicionadas ao set list, e nessas ele geralmente só cantava. A enorme tela por trás da banda levou o público para as viagens espaciais. Mas o destaque da primeira parte veio em “Another Brick in the Wall” – com um grupo de crianças em idade escolar vestidas como prisioneiros de Guantánamo – e a versão fidelíssima de “Wish You Were Here”.
Após um intervalo de 20 minutos, o telão imponente sofre uma transformação e dá lugar à fábrica que estampa a capa de Animals, causando um dos visuais mais deslumbrantes da noite. O álbum, lançado em 1977, é baseado no conceito da obra “A Revolução dos Bichos” e imagina a humanidade dividida em diferentes grupos de animais. O visual por trás de “Pigs” referia-se descaradamente à algumas frases de Donald Trump. Há ainda um porco voador com as palavras “Seja Humano” que é capturado pelo público, e feito em pedaços para levar pra casa. “Trump é um porco”, aparece em letras garrafais no telão.
Com uma produção primorosa, o último grande ato de efeitos pirotécnicos é a exibição da icônica pirâmide em “Eclipse”, que recebe o feixe de luz em um prisma de cores, assim como na capa de The Darkside Of The Moon [assista no vídeo presente neste artigo]. No entanto, faltava apenas uma música para todos voltarem para suas casas realizados. E ela veio: “Comfortably Numb”, que garantiu um encerramento grandioso ao show.
O legado de Roger Waters é significativo demais para ser apresentado / avaliado de forma tão diminuta e superficial como vimos por aí nesses dias de guerra eleitoral. A maior constatação dessa herança cultural que o ex-baixista do Pink Floyd deixa ao mundo, pôde ser conferida num espetáculo de três horas, que causa vários sentimentos de emoção em qualquer espectador humano – seja por toda produção engenhosa envolvida ou pela riqueza artística que transpira em cima do palco.
Por Rock On Board