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Amber Heard e a “vítima perfeita”


Por que custamos a acreditar nas mulheres vítimas de violência?

Faz uma semana que a notícia do divórcio de Amber Heard e Johnny Depp chegou a conhecimento do público. Após 15 meses de casamento, foi a atriz quem deu entrada no pedido, alegando violência doméstica, tendo conseguido, inclusive, uma ordem de restrição contra o ex-marido.

Não foi o único caso de grande repercussão de violência contra a mulher nos últimos dias: na semana passada, uma menina de 16 anos foi vítima de um estupro coletivo em uma favela do Rio de Janeiro.

Os casos de violência contra a mulher são muito mais comuns do que parecem. Segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), o Brasil registra 1 caso de violência contra a mulher a cada 7 minutos (a maioria das vítimas são negras). A cada 4 minutos, uma mulher é atendida em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). E a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada, um crime ainda muito subnotificado. De acordo com as informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, estima-se que apenas 10% deles sejam denunciados. No mundo todo, cinco mulheres morrem por hora em decorrência da violência doméstica.

Mesmo com números tão chocantes, ainda há quem encontre formas de relativizar a violência e culpar a própria vítima pela agressão. Seja através dos argumentos sobre a roupa, o local ou a companhia da mulher, a culpa sempre é transferida para ela, como aconteceu nos casos da menina do Rio e de Amber Heard.

Em ambas as situações, mesmo com imagens circulando pela internet, as pessoas não se convenceram de que elas teriam sido, de fato, violentadas. Provavelmente elas estariam mentindo, pois nos negamos a acreditar que há homens que estupram (os tais “monstros”) e batem em mulheres. Mas eles existem e aos montes, como os números acima mostram.

No caso de Amber Heard, logo que a notícia da suposta agressão de Johnny Depp se espalhou, as pessoas e a mídia começaram a acusá-la de ter inventado tudo para tirar dinheiro de Johnny Depp. Afinal, é isso o que as mulheres fazem: estão sempre arrumando maneiras de tirar vantagens dos homens. E isso inclui inventar violência doméstica.

Não só isso, fotos em que ela aparece sorrindo também circularam pela internet, o que seria uma prova de que ela não é a vítima de coisa alguma, já que uma vítima jamais sairia por aí sorrindo. Não sei qual o tipo de comportamento as pessoas esperam dela, mas, com certeza, Amber estaria proibida de sorrir e seguir com sua vida.

Quanto a isso, como lembra o Huffington Post, “as vítimas de violência doméstica são seres humanos complexos, que têm muitas facetas. Mesmo que estejam tristes ou humilhadas, ainda é provável que sorriam, deem risada e brinquem. Podem até ir ao cinema ou comer em público. Não cabe a nós policiar o comportamento de um indivíduo. Sorrir não é prova de nada, exceto que Amber Heard é humana.”

Até mesmo usam a amizade de Amber Heard e Cara Delevigne (ou o suposto envolvimento entre as duas. Ambas são assumidamente bissexuais) como motivo para as agressões de Johnny Depp. Essa é uma mensagem muito problemática, pois reforça o estigma de que pessoas bissexuais são incapazes de estar em um relacionamento monogâmico e ainda volta a culpar a vítima pelos ataques que sofreu.

E ainda há quem diga que ela deveria ter saído do relacionamento quando conheceu o outro lado do ator. Essa não é uma questão com uma resposta simples. Isso porque os motivos que levam uma mulher a permanecer ao lado do marido são vários e muito pessoais: achar que ele pode mudar ou  que pode consertá-lo (lembra da Rihanna e Chris Brown?) ou medo do que pode acontecer em seguida, caso deixe-o.

Com tudo isso, é como se procurássemos o tempo todo por uma “vítima perfeita”. A palavra dela (e até registros fotográficos e em vídeo) não são nunca suficientes para acreditarmos nelas. Como escreveu a Mari Messias no Lugar de Mulher, que escreveu sobre o estupro coletivo da menina do Rio:

“A questão é que quando olhamos para mulheres vítimas de violência sexual, sejam elas quem forem, agimos como se elas precisassem, antes de tudo, provar sua inocência. E elas nunca são inocentes o suficiente.  Nenhuma mulher é boa o suficiente para ser vítima. Nem as mães, nem as avós, nem as netas. Nem as donas de casa, nem as estudantes, nem as profissionais. Nenhuma delas é ilibada o suficiente para ser melhor que um homem, mesmo um homem criminoso.”

Nós nunca saberemos exatamente como era o relacionamento entre Amber Heard e Johnny Depp, mas quando uma vítima alega ter sido abusada de alguma forma por seu parceiro e acabamos tecendo argumentos para justificar aquilo ou para desacreditá-la, isso diz muito sobre o pouco que sabemos sobre violência contra a mulher.

Imagem de destaque: Richard Vogel, AP.

Por Artur Francischi do Prosa Livre

 


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