Rita, 31 de dezembro
Eu não lembro da minha vida sem Rita Lee. Sem exagero, as minhas primeiras memórias de infância são sempre cercadas pela música de Rita. A primeira canção da minha vidinha foi “Maria Mole”. Meu primeiro disco foi o Rita Lee (1979). Aprendi a falar com aquele disco. Podia passar horas olhando para aquela capa, com tantas cores e aquele rostão, meio de lado, com aquela ‘tatuagem’ do nome nas costas dela. Pensava: “Quando eu for grande, vou fazer essa tatuagem também!”.
Rita me causava sensações. Pra mim, ela era mulher, moleque, bicho, ET. Afinal, eu achava que alguém tão legal não podia ser desse mundo e tinha certeza de que ela tinha seu disco voador. E Rita esteve presente em tanta coisa: fui o garoto mais legal do recreio por ter ensinado “Degustação” para a meninada (“Googlem” a letra, caso não conheçam a música. Vale a pena e me sentirei um cara legal por ter ensinado isso a você depois de velho!); tenho repetidos discos de cada, pois pedia para mãe/ pai, avós, tias, tios e madrinhas os LPs na época dos lançamentos; colava fotos de Rita por todos os cadernos e livros da escola e por aí vai.
Fui crescendo e ela continuou – e continua – sendo minha trilha sonora. E conforme os anos se passavam, as músicas que ouvia desde sempre se revelavam em outras camadas, descobertas ainda mais profundas. E como aprendi – e aprendo – com Rita! Em um país tão musical e tão cheio de compositores incríveis, encontro em Rita o maior deles. Ela canta coisas da vida como ninguém. É uma enciclopédia dos mistérios e complexidades, todos revelados em músicas. Quantas vezes eu, você e as gerações que estão por vir escutamos e vamos escutar as canções dela e pensar: “É exatamente isso!”.
E como se não bastasse: aquela voz! Voz que pode nos abraçar quando precisamos dar um chacoalhão se for necessário. Rita é isso: atitude e doçura. Uma atitude desbravadora. Ou alguém acha que foi mole ser mulher e roqueira em plena ditadura militar? Não por acaso o nome dela está lá, no topo das tristes estatísticas dos artistas mais proibidos pela censura. E está no topo, também, como a mulher que mais vendeu discos no Brasil. Não que ela dê atenção a números. Rita é mais do que isso. E está no topo do meu coração – e no de tanta gente que ela conseguiu tocar. Todo 31 de dezembro, agradeço e celebro a chegada de Rita no último dia do ano de 1947. Ela certamente veio para fazer desse mundinho um lugar bem mais legal.
Na coleção, ainda tenho meu primeiro disco dela, aquele que tem “Maria Mole” e que guardo com carinho, mesmo com as manchas de doces e corações que desenhei. No coração, o meu mais sincero agradecimento. Obrigado, Rita. Obrigado pelos conselhos, obrigado por me mostrar novos mundos, obrigado pela doçura. E obrigado pelos dias melhores (os que vieram e os que virão!).
Com amor,
Guilherme.
Guilherme Samora é jornalista