Vulgarmente conhecida como Rainha Reinante do Rock N’ Roll, a icônica Stevie Nicks, vocalista da banda Fleetwood Mac, é não só uma das maiores cantoras de todos os tempos, como também uma das figuras mais perseguidas da década de 80. Quem conhece a música ‘Rhiannon’ ou já viu a cantora performá-la nos palcos, daquele jeitinho característico que os colegas de banda comparariam a um exorcismo, é capaz de especular a motivação dos haters: durante muito tempo Stevie Nicks foi associada à feitiçaria, povoando o imaginário popular como uma suposta bruxinha branca – versão da roqueira, hoje uma senhora de quase 70 anos, que acabou ganhando ainda mais força com a terceira temporada de ‘American Horror Story’, produzida como uma verdadeira ode ao misticismo que sempre existiu em volta dela – e, não por acaso, de várias outras artistas.
Embora tudo sobre Stevie Nicks nos faça lembrar do clássico ‘Jovens Bruxas’, que causou uma verdadeira ruptura no cinema dos anos 90, os boatos nunca foram realmente confirmados. A roqueira, que sempre pareceu gravitar em torno da personagem Rhiannon, negou as acusações sobre suas práticas religiosas uma série de vezes e, na década de 80, inclusive, chegou a se assustar com as perseguições que sofria, dando um tempo das roupas pretas por um breve período, a fim de não incentivar o imaginário popular. Ao longo dos anos, no entanto, a roqueira se permitiu causar algumas reações completamente opostas, como naquela vez, em 1987, quando disse à MTV que “sempre quis ser uma bruxa” em referência ao Halloween ou quando, em um papo de comadres com Lana Del Rey, as definiu como “irmãs bruxas” – um conceito que hoje consegue transcender a ideia de religião pagã para contextualizar também um poderoso e importante gênero musical que, pasmem, está cada vez mais popular.
Se Stevie Nicks se mostrou uma admiradora não praticante de bruxaria, Del Rey por outro lado, já teve lá a sua fase Harry Potter, recorrendo ao poder da magia para derrubar um grande e poderoso vilão. A cantora novaiorquina, que recentemente lançou o excelente ‘Lust For Life’, revelou ter participado de um ritual coletivo para derrubar Donald Trump, o atual presidente dos Estados Unidos, e se engana quem pensa que essa foi a única demonstração de suas práticas pouco convencionais.
Lana Del Rey ja foi acusada de ter livros satanistas em casa, mostrou que tem um pé na alquimia quando colocou uma expressão associada a seitas famosas em sua descrição no Instagram e, não por acaso, costuma falar abertamente sobre suas crenças pessoais em entrevistas, sem medo, aliás, de usar aquela polêmica palavra com a letra w (witch). Mais característico do que a assustadora honestidade de Del Rey, só mesmo o seu último trabalho: ‘Lust For Life’ é um disco sombrio, no melhor estilo gótica suave, que traz, ironicamente, uma participação especial com ninguém mais e ninguém menos que Stevie Nicks, sua igualmente adorável e misteriosa irmãzinha bruxa, por quem Del Rey se derrete em admiração.
Se na mecânica da coisa as duas cantoras parecem divergir, em tudo o mais elas se assemelham, se tornando referências de um estilo e de um conceito que bombou com o lançamento de ‘Jovens Bruxas’ e hoje está de volta, com força total. A neozelandesa Lorde, por exemplo, trouxe com ‘Royals’ todo o combo hollywoodiano daquilo que entendemos como feiticeira: amuletos, peças de veludo, vestidos pretos e uma maquiagem pesada que chegou a ganhar coleção própria nas prateleiras da MAC. Se Lorde tem a imagem, Florence Welch tem a alma que caracteriza o gênero: a ruiva pré-Rafaelita, que se move pelos palcos como uma fada, bradando cortejos à morte, trouxe à música moderna mais daquele velho tom celestial e infernal, da reverência ao pagão e dos conceitos esotéricos e ritualísticos que pautam várias de suas composições.
A surpresa, aqui, não é necessariamente o discurso embutido nas músicas ou o estilo com que as performers se apresentam, mas a maneira como essas musas da música moderna vem os deixando cada vez mais populares. Enquanto Stevie Nicks foi perseguida por uma prática que sempre negou, as meninas modernas confessam abertamente suas influências e continuam, plenas, emplacando hits e mobilizando fãs mundo adentro.
Florence, aliás, era obcecada por bruxaria na infância. Em uma conversa com a revista Nylon, a inglesa revelou sem medo que, embora a sua concepção da morte seja muito diferente daquela que apresenta na letra das canções, já teve um pé na wicca quando criança: Florence compartilhou com as amigas um caderninho de magia e, de acordo com a própria, sonhava em ser uma bruxona de verdade quando crescesse. Juntamente com astrologia, cabala e filosofia, a wicca faz parte da linha de interesses de várias artistas renomadas, que levam essas ideias para os estúdios e palcos – e, muitas vezes, você, ouvinte, sequer desconfia. A cantora Grimes, por exemplo, ficou conhecida não só pelo sincericídio nas redes sociais e pela angústia nas melodias, como também por uma suposta associação com a Wich House, um gênero de música eletrônica que envolve xamanismo, feitiçaria, obras de terror e demais “coisas ocultas”. A artista canadense não se define como parte de nenhuma religião ou grupo, mas não nega, por exemplo, ter usado a fome e a privação de sono durante nove dias para desenvolver o seu terceiro álbum de estúdio – esse, aliás, foi um famoso método de tortura contra as mulheres que foram perseguidas e acusadas de bruxaria ao longo da história.
Se a música pop fundasse um coven, cantoras como Björk e Kate Bush também seriam bem vindas. A primeira, saiu da Islândia nos anos 70 para levar suas ideias elevadas sobre astrologia e ocultismo para o restante do mundo, chegando a ser eleita a personalidade mais excêntrica do planeta em 2006. Björk e a ideia de bruxaria, aliás, andam de mãos dadas há bastante tempo: a primeira banda da cantora se chamava Kulk (uma palavra islandesa que significa feitiçaria) e seu primeiro trabalho de atriz foi como a bruxa Margrit no filme ‘Juniper Tree’, um conto dos irmãos Grimm. Na China ela já foi acusada de bruxaria pela imprensa, ao se posicionar politicamente em um show, e em entrevistas ao longo da carreira a própria cantora comentou seu interesse pela astrologia e pelo ocultismo islandês.
Kate Bush, a mulher das incontáveis ausências, também não é lembrada por acaso: músicas como a famosa ‘Waking The Witch’ fizeram com que a cantora fosse, simplesmente, reivindicada pelos grupos ocultos como parte deles. Kate não confirma e nem nega tais acusações, seguindo reservada no que diz respeito à sua vida pessoal. Ainda assim, fica a pergunta: será que uma pessoa pode escrever letras complexas em cima do sistema Golden Dawn e cultuar ídolos pagãos sem ter absolutamente nada a ver com o assunto?
Religião à parte, a bruxaria enquanto influência temática e estética tem uma importância vital na música feminina que nós conhecemos e consumimos hoje, seja por estilo ou por necessidade de romper padrões historicamente machistas. Afinal, como apontou a personagem de Lisa em um episódio de ‘Os Simpsons’, quando mulheres são confiantes e poderosas, elas são automaticamente tachadas como bruxas, o que nem sempre é verdade. Na América do Norte, em seus tempos de colônia, boa parte das mulheres acusadas de feitiçaria, por exemplo, eram perseguidas por desafiar papéis e ideais de gênero prescritos, um discurso de empoderamento que foi abraçado pelas cantoras femininas de uns anos pra cá. Musicalmente falando, as “bruxas” são de vital importância, numa linha que vai de Yoko Ono, em 1974, se declarando como bruxa durante a breve separação de John Lennon; e passa por Courtney Love em 1993, num trabalho que fazia referência direta à ilustre Stevie Nicks e suas músicas muito loucas na Fleetwood Mac. O conceito midiático de bruxaria, aliás, é tão dúbio que Courtney nem precisou de livros de magia ou um caldeirão para alimentar as especulações que surgiram a seu respeito: bastou “enfeitiçar” Kurt Cobain.
A ideia de que as bruxas de hoje conseguiram transcender a ideia de religião pagã para contextualizar um gênero musical próprio, ganha força, principalmente, quando todas essas artistas polêmicas se conectam de algum jeito. O mais recente trabalho de Courtney Love, a eterna vocalista da banda Hole, por exemplo, é inspirado por Lorde e Lana Del Rey – desta última, aliás, a roqueira é especialmente amiga, vejam só. Este ano Lana foi entrevistada por Courtney para uma revista americana e a apontou como uma de suas compositoras favoritas, a destacando como o ápice daquilo que considera “cool”. Lana também é uma inspiração e tanto para Lorde, que é bastante comparada com a nossa querida Florence Welch. A admiração da neozelandesa pela colega de trabalho é tanta que a música ‘Green Light’ nasceu depois que Lorde assistiu a um show da Florence + The Machine com seu produtor. Admiração também é coisa comum para a cantora Stevie Nicks: além de gostar do som de Lana Del Rey e ser um exemplo para Courtney, é sabido que a a Rainha do Rock ama Kate Bush, com quem chegou a fazer um dueto inesquecível para a música ‘Secret Love’. O pop místico de Bush, inclusive, serviu como base para o trabalho que Florence e Grimes fizeram depois, sem falar de outras artistas, como Charli XCX, FKA Twins e a australiana Fiona Horne.
Por Uber 7