Tuyo entra em você e fica, não atravessa. É daquelas bandas que conseguem enxergar o seu interior sem ao menos ter colocado os olhos em você. Ela enxerga todas as suas fraquezas, incertezas e as transpõem em letras que ao mesmo tempo que te deixam introspectivos, te coloca para cima de uma maneira peculiar. Tuyo se adentra e fica para “Pra Doer” (nome de seu primeiro EP) ou “Pra Curar” (nome do próximo trabalho da banda ainda sem data de lançamento confirmada).
Jean Machado e as irmãs Lay e Lio Soares formam o trio paranaense de folk futurista, como se auto intitulam, que começou oficialmente com o lançamento de “Pra Doer” em 2017. O disco conta com as faixas “Conselho de bom senso”, “Candura”, “Solamento” e “Amadurece e Apodrece”. O trabalho rendeu tanto reconhecimento que a banda já soma mais de 2 milhões visualizações no vídeo de “Solamento + Amadurece e Apodrece” que foi realizado em parceria com o Hai Studio.
Com a autenticidade lhes correndo pelas vei as, o trio também aproveitou uma gravação de clipe para produzir o minidocumentário “Nude, de onde vem a beleza” em parceria com a Hyena Tapes. Com o intuito de falar sobre autoestima, representatividade e aceitação, o filme reúne depoimentos dos participantes do clipe “Amadurece e Apodrece” sobre o tema e ainda nos coloca cara a cara com o backstage e nos transporta a um momento de intimidade com todos os envolvidos.
Conversamos um pouco com os integrantes para entender melhor as suas referências, inspirações e história. Confira abaixo um pouco desse bate papo:
E.T.C.: Vocês possuem um trabalho muito consistente, tanto na música, na comunicação e na identidade visual. Como veem a importância desses três elementos para o lugar em que vocês chegaram até agora?
Tuyo: Talvez a importância esteja nas conexões. Deve ter isso escrito em algum lugar que a gente ainda não leu, mas é bastante bonita a mutação que rola no jeito de dizer coisas. As linguagens são esses organismos que se movem conforme as sociedades vão transitando e é importante dizer as coisas nessas várias linguagens, até pra democratizar esses assuntos elitizados que são o pensar em si mesmo e na relação com o universo ao redor.
Não sei se existe esse lugar pra chegar e, se ele existe, talvez a gente nem tenha chegado ainda, ou estamos todos lá, mas ampliar as linguagens certamente ajuda a chegar no outro. Papo viagem, né? No fim, é tudo sobre ampliar as possibilidades.
E.T.C.: O clipe de “Amadurece e Apodrece” foi feito em parceria com diversos amigos que abriram os braços para a Tuyo, como foi para vocês enxergarem depois os frutos desse trabalho e ver tantas outras pessoas abraçando a banda?
Tuyo: A performance é o tangível, o fruto, o artefato que dá pra por a mão. É ela que chega primeiro na casa das pessoas. O negócio é que, pra que ela exista, a gente criou aí a ficção de que é preciso uma epifania, uma grande revelação na cabeça do artista, quando na realidade o componente principal dessa receita é trabalho. E trabalho coletivo. “Amadurece e Apodrece” foi uma revelação de musicista que encontrou a realidade por causa da revelação na cabeça das diretoras Leticiah Futata e Janaina da Veiga.
Em alguns momentos lá das gravações dava pra sacar que a Tuyo tinha ultrapassado esse lugar de banda, que a música tinha ultrapassado esse registro de vídeo. Tudo ali virou uma espécie de causa. Passou a ser sobre um ideal. Então esse clima de amigos ajudando amigos, abrindo os braços, talvez tenha sido o que fez com que essas pessoas dissessem sim pra esse projeto tão trabalhoso, mas o que fez com que elas permanecessem talvez tenha sido a possibilidade de ver seus duplos se multiplicarem. Essa causa invisível, essas pessoas invisíveis, todas agora reais, vistas, evidentes.
“Amadurece e Apodrece” é um belo registro em vídeo das relações que a gente mantém aqui em Curitiba, dessa nossa bolha de proteção, de afeto. Eu podia passar uns bons dias falando sobre isso rs.
E.T.C.: Sobre as composições, vemos ela de maneira tão pessoal que é quase impossível imaginar mais de uma pessoa trabalhando em cima delas. Como vocês aliam esses sentimentos e transformam em poesia no processo?
Tuyo: É. Você está certíssima. Não sei se daria pra fazer o que a gente faz se a intimidade entre nós não fosse tão excessiva. Tem muito sobre enfrentamentos internos nessas músicas, temas bastante íntimos que a gente sublima, metaforiza. Boa parte das nossas frustrações a gente viveu juntos, então talvez fique menos complicado se expor, porque a gente conhece os pivôs, né? Conhece o material bruto de cada poema. As mortes, os términos, as demissões, os abandonos, a gente viveu muitos deles juntos. Sobre transformar em poesia, pode ser que esse seja nosso método de expurgar o ranço que fica ou de alimentar os monstros que a gente gosta de guardar, talvez seja a nossa vingança, sei lá. Ainda não aprendemos a organizar esses processos de composição. A gente só se protege contando um pro outro e enclausurando essas vivências nas canções.
E.T.C.: De onde surgiu a vontade de escrever em espanhol?
Tuyo: Do Gabriel Garcia Marquez, do Adolfo Bioy Casares e do Jorge Luis Borges. Quando um de nós descobriu na literatura latino-americana o quanto estamos descolados do lugar que a gente pertence, parece que deu essa vontade de pertencer mais.
E.T.C.: Tem alguma previsão de “Pra Curar” sair?
Tuyo: Tá rolando um fenômeno doido que é esse de as pessoas quererem encontrar a gente ao vivo. Então, essas novas viagens talvez possam postergar um pouco nossos prazos, mas a gente sonha em botar pra download esse disco no segundo semestre, com bastante vontade mesmo. O mais maluco é que essas viagens, esses shows não previstos têm ajudado a ajustar os arranjos pro disco, então olha que bonito: quem vai encontrar a gente ao vivo volta pra casa cheio de spoilers. Talvez essa turnê do Pra Doer contenha um bom trailer do Pra Curar.
E.T.C.: Vocês disseram que esse próximo trabalho também vai doer, conseguem enxergar a Tuyo sem a pitada de dor que vocês nos apresentaram no primeiro EP?
Tuyo: Ah, somos nós, né. Enquanto a gente não for pra terapia resolver essas questões, elas vão ficar aí, pulando nas canções. Ou talvez essas dores fiquem sempre nos discos pra serem fruto do processo terapêutico que é compor. Não dá pra saber. Somos muito livres, ninguém se sente comprometido em entregar temas dentro de um campo semântico preestabelecido, sabe? O compromisso aqui é a honestidade com o papel, com os caderninhos. Botar tudo lá sem deixar nada pra trás. Se um dia forem outros temas, tudo bem. De repente, mudamos de vida e fica menos realista, mais otimista. Acho difícil.
E.T.C.: O trabalho de vocês já era acompanhado de sintetizadores, mas “Baile Raro” é muito mais eletrônica que os outros trabalhos. É por aí que “Pra Curar” vai andar?
Tuyo: “Baile Raro” é fruto da mente brilhante e do perfeccionismo do Kel. Quando conhecemos esse cara, pensamos que ele fosse mais um cara bonitão desses mais inertes que tem aqui por Curitiba. Achamos que a gente não ia se conectar. Erramos feio. O cara é um movimento, uma inteligência, uma sensibilidade grandona na nossa percepção. Quando ele contou a ideia foi preciso conversar sobre temas mais íntimos para podermos escrever os versos e foi impossível não se conectar.
Amamos falar a língua do violão, que é confortável, desafogada, mas estamos claramente buscando desconforto, incômodo. Daí esse lugar novo do som sintético, programado, morando no futuro. É nesse lugar que “Pra Curar” deve nascer. Não somente ele, mas outros lugares novos pra nós. Tão rolando criações em conjunto com artistas de outras linguagens que nos deixam muito satisfeito nessa jornada rumo ao incômodo, ao aprendizado obrigatório. O Baco Exu do Blues é um bom professor e estamos aprendendo mil coisas com ele por conta de uma colaboração. Também tem a troca intensa que tá acontecendo com a Bruna Mendez.
E.T.C.: Seria a proposta da Tuyo se reinventar com novas inspirações, sem perder o Q de introspecção? Pois até mesmo em “Baile Raro” que é mais agitada, passamos por uma experiência muito sensorial.
Tuyo: A gente brinca que quando olhamos do palco pras pessoas que foram nos ver e elas estão com os olhos inchados e a bunda balançando muito é porque a gente fez tudo certinho. A gente gosta dos temas reais e de como eles parecem ficcionais quando a gente ri da impossibilidade de mudar o que não gosta ao invés de viver a ilusão de que tudo o que quiser pode acontecer. Gostamos do eco, da repetição, da ideia do duplo, do gêmeo e tá tudo ali em Baile Raro. É uma estética mais próxima do que a gente imagina.
E.T.C.: Vem clipe de “Baile Raro”?
Tuyo: Ia ser bonito, né? Não sei… Só queríamos dias maiores, meses mais longos pra dar conta de realizar todas as loucuras que sonhamos pra Tuyo.
E.T.C.: Como lidam com o imediatismo no mercado da música e da vida ultimamente? A ansiedade para lançar sempre também acomete vocês?
Tuyo: Somos três microcosmos extremamente diferentes, então os comportamentos são os mais variados. Lio dorme pouco, pensa muito, abre planilha de tudo, bota data nas coisas, quer viver tudo pra ontem, sem trégua. Diz já ter esperado demais. Jean quer tempo, espaço, respiro, fôlego, quer se preparar, estudar, talvez seja o mais saudável. A Lay talvez esteja num espaço entre esses extremos, um pouco impactada com a realidade do que a gente tá vivendo, com vontade de viver tudo logo, mas com medo de não ter a chance de se preparar.
No fim, pouco importa porque a gente não tem grana pra ceder à ansiedade de lançar tudo logo, então, quem sabe a dificuldade de captar recurso pra acelerar os lançamentos deixe tudo no timing certo.
E.T.C.: Mudou a maneira como viam a banda no começo do projeto e agora, dois anos depois?
Tuyo: Todo dia. Todo dia a gente acorda e enxerga as coisas de outra forma. Somos outros, né? Todo dia somos outras pessoas. Não melhores, não piores, outros.
Encontre a Tuyo nos próximos shows: