Os fãs de Lana Del Rey já podem ficar animados: ‘Lust For Life’ tem a promessa de trazer de volta os conceitos e a sonoridade que fizeram a bruxinha barroca, pin up e hipster cair nas graças do público em 2012, com o bem sucedido ‘Born To Die’. A inesperada reciclagem, que vem após uma série de polêmicas e críticas, entre elas a romantização da violência doméstica na canção ‘Ultraviolence‘ e os comentários depreciativos quanto ao feminismo, evidenciam mais uma vez o quanto a cantora gosta de brincar com a própria identidade. Lana, que já foi, também, Lizzie, May Jailer e Sparkle Jump nos boates do Brooklyn, é uma mulher de muitas facetas – versões que, mais de uma vez, divergiram entre si e causaram estranheza em quem acompanhou sua trajetória musical, que começou em 2005 e, de lá para cá, nos trouxe uma série de questionamentos. O maior deles e ainda não solucionado: “Quem, afinal de contas, é Lana Del Rey?”
Nascida na Nova York de John Hughes, aquela dos anos 80, Elisabeth Grant foi uma artista tímida e extremamente talentosa que, por anos, se escondeu atrás de pseudônimos; sempre cantando, de forma descompromissada, pelos clubes e boates do Brooklyn. De um dia para o outro, a cantora decidiu, no entanto, que iria ser grande. Lizzie mudou o nome e o visual, se transformando nessa coisinha confusa, enigmática e meio louca que nós e os tabloides gringos pensamos, ingenuamente, conhecer em sua plenitude: uma mezzo soprano premiada e musicalmente genial, convenhamos, que foi tanto influenciada quanto influenciou grandes nomes da música. Que a cantora é irritante em suas declarações meio histriônicas e cansativa com seu desejo batido de chocar, nós sabemos – assim como, após três grandes álbuns, não conseguimos ignorar, também, seu talento e inesperado sucesso mainstream. Lana Del Rey é uma mulher caleidoscópica e armazena em seu 1,7 metro de altura um caldeirão de referências, ousadias e facetas diferentes. Facetas estas que, às vésperas de ‘Lust For Life’, o Uber7 te convida a conhecer.
A vintage metida a cool
Do homônimo de 2010 (sua estreia oficial) para cá, conseguimos observar uma série de características em Lana Del Rey e, aqui entre nós, a mais clara delas é que a cantora novaiorquina bem queria ter nascido Audrey Hepburn. Enquanto as artistas da nova geração pautam Beyoncé Knowles como uma referência de diva inspiradora, Lana segue a linha mais vintage: a cantora tem toda uma vibe Marilyn Monroe, Brigitt Bardot, Priscila Presley, Nancy Sinatra e Lolita. Ela é clássica, sim, mas sem deixar de ser, na mesma proporção, bizantina e sensual – e o clipe de ‘National Anthem‘ deixa isso bem claro.
A antifeminista preocupada com o espaço
A pegada triste e melodramática de Del Rey contrasta diretamente com a vontade que a cantora tem de, simplesmente, aparecer. Não bastasse o fruto desnecessário da parceria da artista com Marilyn Manson, com cenas que induzem o abuso sexual, temos também ‘Ultraviolence‘, que foi duramente criticada ao romantizar a violência doméstica. A letra da canção, lançada em 2014, enaltece o homem agressivo e glorifica a relação abusiva em versos como “ele me bateu e pareceu um beijo“. Acusada de antifeminista por razões óbvias, não podemos dizer que a cantora se defendeu, já que os argumentos escolhidos por ela não foram lá dos mais felizes. Durante uma entrevista, Lana confessou não achar “o conceito de feminismo interessante” e disse, ainda, estar mais preocupada para os fenômenos espaciais da galáxia ~ mas, longe dela, é claro, diminuir o movimento, não é verdade?
A poetisa que você respeita
Mesmo que um pézinho de Lana Del Rey esteja sempre na polêmica, não podemos negar que a bichinha tem talento para a composição. Excelente na construção de versos, a cantora orgulharia os poetas da Geração Beat com sua boa estrutura de rimas e letras profundas, que mexem com os nossos sentidos. Um bom exemplo da sua poesia é ‘Ride‘, na qual seu eu-lírico desbrava a estrada a fim de encontrar inspiração, assim como os beatniks. Orgulhando a escola do romantismo, a poética ‘Vídeo Games’ também apresenta uma incrível profundidade estética. Quem não conhece a faixa ou nunca reparou na qualidade dos versinhos que Del Rey entoa, vale a pena pegar a letra por escrito, abaixar o volume e ler frase por frase.
A da vibe suicida que precisa (mesmo) parar com isso
Uma coisa é certa: ninguém precisa escutar de novo as treze fitas de Hannah Baker toda vez que estiver tocando ‘Freak‘. Se a série da Netflix chamou a atenção da mídia, dos pais e das escolas por romantizar o suicidio, a terceira faixa do álbum ‘Honeymoon‘ não fica atras. Lana Del Rey foi abertamente criticada por um clipe cheio de simbolismo perigosos, que aparecem como uma espécie de tributo a Jim Jones e Charles Manson, dois líderes de cultos extremistas, responsáveis pela morte de centenas de pessoas no século XXI. No clipe, Lana incentiva os seguidores a cometerem suicídio e a usarem drogas. Essa, aliás, não foi a primeira vez que ela banalizou o ato de tirar a própria vida: além de ‘Summertime Sadness’, jamais esqueceremos daquela entrevista ao The Guardian em 2014, quando Lana disse, com todas as letras, que queria estar morta.
A fofinha das flores no cabelo
Jamais pense, no entanto, que tudo é escuridão em Lana Del Rey. Além da boa voz e da sonoridade elegante de suas musicas, a artista é sempre lembrada pelos vestidos de seda e flores no cabelo, que compõe um belíssimo visual indie. O adereço ganhou força com o clipe de ‘Born To Die’ e até hoje, em alguns shows da cantora, os fãs aparecem com o cabelo de lado, decorado com flores fofinhas. Essa, aliás, foi só uma das tendências lançadas pela artista. Lana Del Rey não sai em capas de revista e assina contrato com agências importantes à toa: basta o “look do dia” aparecer no videoclipe para que se torne uma tendência, assim como aconteceu com os topetes de ‘National Anthem’.
A melhor amiga de Jesus Cristo
Lana Del Rey adora referenciar a bíblia em seus trabalhos. O curta ‘Tropico’, no qual a cantora reúne algumas presenças ilustres no Jardin do Éden, é o caso mais emblemático dessa aparente religiosidade, que vem, é claro, acompanhada de algumas controvérsias. No vídeo, Lana traz de volta Marilyn Monroe, Elvis Presley, John Wayne e Jesus Cristo em um cenário lúdico, que menciona várias passagens bíblicas. A proposta do curta é recontar, sob uma perspectiva diferente, a história de Adão e Eva, tentados pela serpente e expulsos do Paraíso. Embora possa parecer estranho para alguns, ‘Tropico‘ mostra tanto a visão fascinante de Del Rey sobre a existência humana quanto a habilidade de transformar sua visão espiritual em arte, algo recorrente em todo o álbum ‘Paradise’. Em ‘Body Electric’ ela afirma que Jesus é seu melhor amigo e em ‘Gods And Monsters’ Lana traça um paralelo entre o bem e o mal, Deus e o diabo.
A romântica que não desiste
É assim que Lana Del Rey aparece no clipe de ‘Love‘, em cima de um palco, trajando um modelito romântico e soltando a voz para um conjunto de casais apaixonados: uma romântica incurável. Ainda que algumas de suas composições confundam o amor e a dor, como ‘Ultraviolence‘, não podemos negar que a maioria delas segue por um caminho romântico, como é o caso da derretida e triste ‘Summertime Sadness’, a “garoto encontra garota” de ‘Lucky Ones‘, as letras quentes de ‘Burning Desire‘ e o amor eterno de ‘Bel-Air’.
A feiticeira muito lou
Uma deusa, uma louca, uma feiticeira, tal como diria o nosso cancioneiro popular brasileiro. Quem duvidava da veracidade da terceira palavrinha, mordeu a língua quando Donald Trump foi efeito presidente dos Estados Unidos. Para tirar o magnata da Casa Branca, afinal, cada um faz o que pode: alguns realizam protestos, outros lêem textão de Facebook em palcos de premiação, outros usam as redes sociais para xingar muito e outros, por que não, fazem um feitiço – né, Lana Del Rey?
Esta não foi a primeira vez que a cantora mostrou ter uma ligação diferente com a religiosidade. Há um tempo, durante uma entrevista, Del Rey confessou ter participado de uma seita, liderada por um guru espiritual, o que, naturalmente, chocou alguns fãs, acostumados às suas múltiplas referências a Jesus. Agora, em ‘Lust For Life’, em vez de um simples pé na bruxaria, temos o Harry Potter inteiro: conforme promete o clipe do álbum, lançado há algumas semanas, Del Rey está vindo aí – e está vindo de vassoura, meu povo.
A patriota apaixonada
Se Lana, por acaso, apelou com o resultado das eleições e reuniu o coven para expulsar Donald Trump na base da magia, há um motivo: essa mulher ama os Estados Unidos. Nascida em Nova York em 1985, Lizzie Grant levou a nacionalidade no coração quando se tornou a famosa Lana Del Rey, sendo esta, talvez, a única coisa a seu respeito que permaneceu inalterada durante todos esses anos. Seus trabalhos são cheios de referências aos ícones, à cultura, à bandeira e aos cenários da América – continente que inspirou, inclusive, o título de uma de suas canções, a ótima ‘American‘. Outras músicas que exemplificam essa paixão são ‘Nacional Anthem’, que é quase uma homenagem para John Kennedy, ‘Vídeo Games‘, ‘Shades Of Cool’, ‘Ride‘, e ‘Diet Mountain Dew‘.
A deprê que nos preocupa
O clipe de ‘Summertime Sadness’ é um belo exemplo da pegada nostálgica e triste que Lana incorpora a uma boa parte de suas canções – e aqui, mais vez, com o suicídio no plano de fundo. Com todo o acervo deprê de Del Rey, já tão associado ao seu talento, não dá para negar: ser fã da artista é se preocupar de forma recorrente com o bem estar emocional e físico da mesma (e dos próprios fãs, diga-se de passagem). Há uma coisa meio tumblr em Lana Del Rey e, acreditem, isso não é nada positivo. Em comum, a cantora e a rede social têm a perigosa banalização e romantização das doenças psiquiátricas, entre elas a depressão – que não é bonita e, definitivamente, não é brincadeira.
Segundo Del Rey (e isso merece atenção), os médicos não conseguem esclarecer o seu diagnóstico. A cantora teria uma anomalia misteriosa que a faz se sentir depressiva – uma doença que, naturalmente, ocupa muito espaço da sua vida. Em um show em Dublin, Lana chorou no palco e não foi de emoção – e o problema da cantora fica claro quando se olha com mais cuidado para as composições. Se a condição dela é uma estratégia de marketing ou uma doença real, não dá para ter certeza. O que sabemos é que seu desabafo musical pode ser um gatilho e isso é preocupante.
A nostálgica diferentona
Convenhamos: os clipes de Lana Del Rey são, em sua totalidade, muito bons – e isso se deve, principalmente, à personalidade que a cantora acrescenta às imagens, com flashes rápidos de vídeos amadores e um filtro que deixa tudo mais nostálgico e pessoal. Existe uma certa harmonia nas canções da artista, que tornam os clipes levemente parecidos um com o outro, mas, a seu modo, únicos. É, por exemplo, o caso de ‘Brooklyn Baby’, que traz um pouquinho de tudo que já foi mencionado por aqui (a religiosidade, o romance, o patriotismo, a vibe deprê e a poesia), sem deixar de ser inovador. O que nos impressiona no trabalho de Del Rey é como ela consegue estabelecer, com detalhes simplórios, uma relação de intimidade com seus fãs através dos videoclipes: eles são tão ela, tão nostálgicos, diferentes e tão partes de uma história que você sente conhecer de algum outro lugar, que é difícil não se render.
A gótica suave
Depois de todas essas facetas, fica mais do que claro: Lana Del Rey é a rainha do Bloco das Góticas Suaves. Suas composições sombrias, a estética hister-trevosa, a atual fase ‘Jovens Bruxas’, os clipes em preto e branco (como o maravilhoso ‘Blue Jeans’) e o dedo podre no departamento romântico corroboram para fazer de Lana uma das maiores representantes desta categoria em ascensão. O posto, por sinal, é o que vem aumentando consideravelmente a expectativa pelo lançamento de ‘Lust For Life’, que já ganhou até um clipe inspirado no filme ‘Sin City’, que chegou aos cinemas em 2005.
Por Uber7