Em um mundo onde o noticiário surpreende a cada segundo com a sucessão de tragédias, crimes ecológicos, atos políticos surreais, o terrorismo explode bombas, a violência vira lugar comum e a onda de ódio parece inundar os corações da humanidade, servir de antídoto e remédio é tarefa difícil até para a rainha do Pop Mundial.
Após atravessar mais de 3 décadas como a principal figura feminina da cena musical mundial, Madonna chega para entregar o resultado daquilo que construiu genuinamente em seus quase 60 anos de vida.
Madonna não vive de contar seus dias em vão, tão pouco das glórias do passado, e não deixa de quebrar ou manter seus recordes. A Rebel Heart Tour fez 82 shows, viajou para 4 continentes, 25 países, foi vista por mais de um milhão de pessoas e rendeu 170 milhões de dólares. Mas o que a “Material Girl” vende, ela entrega e quando se presta a fazer alguma coisa, se envolve de tal maneira que, seja o que for feito, é genuíno, digno e único.
Não é fácil se manter por tanto tempo no cenário da música pop, sempre cheio de novidades e modismos de “último minuto”, em terreno minado pelas críticas e comparações com as novas “divas” do momento. Bom lembrarmos que foi Madonna a primeira mulher a fazer um show teatral para grandes platéias, a criar e desenvolver a comunicação de massa através dos videos clipes da era MTV, que ajudou a solidificar e transformar gerações.
Mas o tempo é soberano, a fila sempre anda e os fantasmas da impermanência assombram qualquer ser humano, até mesmo os que alcançaram o status de super estrela ou de ícone, como Madonna se auto proclama – e definitivamente é.
Ao final do show da “Rebel Heart Tour”, que agora chega às plataformas digitais e ainda será vendido nas versões DVD, CD e Blu-Ray, Madonna sabiamente conclui que tudo pode mudar em um piscar de olhos, ou num estalar de dedos, que não podemos esquecer que nada é garantido e que devemos agradecer por termos sorte e sermos abençoados. Ela certamente é grata por despertar sorrisos e a consciência em seus fãs, seu exército de corações rebeldes.
Em sua décima turnê e nona excursão mundial, Madonna celebra os 30 anos da expressão de sua arte nos palcos com um show repleto de símbolos, suas sempre presentes controvérsias, cenários tecnológicos de última geração, figurinos e coreografias mirabolantes, a costumeira mistura de segmentos de diferentes “sabores” que, reunidos, formam uma ópera pop que somente ela sabe fazer.
A “jornada”, como a cantora gosta de chamar seus shows, começa com imagens no telão de uma Madonna “reloaded”, vestida a la Marilyn com o figurino que usou na apresentação do Oscar, quando defendeu a canção “Sooner or Later”, do Filme Dick Tracy, quando compareceu à maior premiação do cinema ao lado de Michael Jackson. O tempo passou, Michael já se foi, mas na abertura do show, Madonna aparece “ enjaulada” em seu papel de ícone pop, ela “sangra”, se debate em seu cárcere glamouroso e castigante. O video de abertura é dividido com Mike Tyson. O pugilista que foi condenado e preso por estupro endossa a mensagem do peso e preço da fama e sobre o julgamento e perseguição constante que sofrem as “personas” públicas.
Madonna em “carne e osso” aparece em cena vinda do alto em uma gaiola cheia de lanças, vestida de samurai e entoa “ Iconic” . Icônica, dona de sua fama e carreira, a cantora do Michigan é cercada por guerreiros samurais, que trazem em seus capacetes simbolos da Cabala que simbolizam “”Força”.
A partir daí, a platéia está em suas mãos e o desfile de 24 canções em duas horas de show é uma viagem fantástica que a edição conseguiu deixar melhor do que sua representação ao vivo.
O primeiro round de canções embala diversas músicas do último álbum em uma talagada só, entremeando com velhos hits, como “Bitch I’m Madonna” , “Burning up”, “Holy Water + Vogue”, “ Devil Pray”, “Messiah”.
O show é carregado das velhas referências religiosas misturadas com a sexualidade, ambas presentes em diversos momentos da carreira de Madonna e que parecem não ter sido exorcizadas ainda. O palco, que tem a forma de uma cruz, onde também se vê um coração flechado, recebe suas provocações, como freiras vestidas de calcinha e sutiã, dançando em pole dance, uma reprodução da santa ceia com apóstolos sem camisa e um “Jesus” negro, padres, rabino, pais de santo dançando, imagens sacras no telão… e Madonna assumindo e pagando seus pecados em cena, interpretando sua agonia em um exorcismo teatral.
Sem deixar o espectador se entediar, Madonna logo encaixa um bloco com visual meio “rock” meio “retrô”, dentro de uma oficina onde exibe o físico de seus bailarinos em “Body Shop”. À essa altura, Madonna dá o primeiro sinal de que, neste show, ela está mais solta e “humana”, que embala o público cantando “True Blue” e tocando seu Ukulele faz a platéia, emocionada, cantar junto. Sem deixar cair o pique, engata coreografia enérgica com o hit “Deeper and deeper” e consegue a proeza de colar duas “baladas” em sequência: “ Heart Break City”, um dos momentos mais marcantes do show, e o hino decano “Love don’t live here anymore” do disco Like a Virgin, a canção que apresenta na sequência em uma versão deliciosamente repaginada em um dos momentos mais bacanas do show.
Para as trocas de bloco e tema, Madonna sempre recorre aos “interlúdios”, seu balé apresenta um momento o sensual e quente sobre camas, em “S.E.X”.
O clima esquenta ainda mais quando ela carrega nas tintas e temática latina – outra “fissura” recorrente em sua carreira – no segmento seguinte, que abre com “Living for Love”. Do universo das touradas e do flamenco gitano da Espanha às cores mexicanas de Frida Kahlo, Madonna parece se divertir e se solta de vez. Nesse momento, ela está mais interativa e mais “fofa” com seu público como nunca esteve, faz piadas, brinca e enfileira hits como “Dress you up/ Into the Groove” , “ La Isla Bonita”, arrematando a “fofurice” festiva com “Rebel Heart”.
Quando todo mundo acha que o ápice havia chegado, homens de cartola parecem cair do céu e evoluem feito mágica sobre barras flexíveis em “Illuminati”. Chegou a vez de Madonna encarnar a diva do “cabaré” e viaja até a década de 20 do século passado no melhor estilo “melindrosa”, com direito a muita franjas e cristais swarovsky. Abre o último set com “Music”, uma das suas composições preferidas, em um momento belíssimo com gostinho de cinema mudo. A folia continua com a açucarada “Candy Shop”, seguida do clássico-mor “Material Girl”, que ela ainda consegue “espremer” cênicamente, vestida de noiva para um novo e divertido número de platéia.
Sentadinha novamente com seu ukulele em punho, homenageia Edith Piaf em momento intimista, cantando a singela “La vie en rose”.
Soltinha, safada e sapeca, Madonna encerra o show de “mentirinha” com a divertida “Unapologetic Bitch”, tira alguém da plateia, dá uma “banana” para a formalidade, zoa com o “sequestrado” da vez para pagar mico e encerra o espetáculo de maneira divertida e nonsense… quase.
Para um bis festivo, a “bitch queen” volta vestida de “Tio Sam”, cercada por bandeiras de países do mundo, incluindo a do Brasil, e celebra seus 30 anos de seviços prestados ao entretenimento planetário cantando “Holiday”, é içada para o alto e avante e ninguém duvida que ela não seja a estrela feminina mais brilhante desse céu.
As fotografias da capa – e o material do novo lançamento – são assinadas pelo fotógrafo de moda brasileiro, radicado na Inglaterra, Josh Brandão, que a fotografou em Praga, Barcelona e Paris. Joshua é desses muitos filhos que a Nossa Senhora do Pop criou, inspirou e que acreditaram em seus lemas “Dreams come true”, “Express yourself”, “Open your heart”, entre tantos outros. Com talento e um coração rebelde, nada parece ser impossível para ela ou para quem está conectado a seu “Rebel Heart”. Bom show !
Set list:
Blu-ray / DVD
- Rebel Heart Tour Intro
- Iconic
- Bitch I’m Madonna
- Burning Up
- Holy Water / Vogue
- Devil Pray
- Messiah (Video Interlude)
- Body Shop
- True Blue
- Deeper and Deeper
- HeartBreakCity
- Like A Virgin
- S.E.X. (Video Interlude)
- Living For Love
- La Isla Bonita
- Dress You Up / Into The Groove
- Rebel Heart
- Illuminati (Video Interlude)
- Music
- Candy Shop
- Material Girl
- La Vie En Rose
- Unapologetic Bitch
- Holiday
Por Horácio Brandão
Fotos gentilmente cedidas:
Photos: Joshua Brandão/Madonna- Boy Toy Inc.
Instagram: @joshbrandao
Facebook: JoshBrandaophotography