Lançada no começo de junho pela Capitol Records, a quarta aventura de Katy Perry nos estúdios vem acompanhado de altos e baixos, com três bons singles puxando um conjunto de outros hits de qualidade inferior.
Passeando pelas rimas combinadas de ‘Hey Hey Hey’, pela batida eletrônica de ‘Roulette’ e pela dançante e pegajosa ‘Swish Swish’, o que encontramos é, antes de tudo, uma vontade genuína de Perry em trazer algo novo e, ao mesmo tempo, oferecer um trabalho que agrade a sua já consolidada base de fãs. Se ‘Witness’ não é melhor, tal como não chega a ser necessariamente pior que os discos anteriores, o que temos, na prática, é o mais diferente entre os trabalhos da cantora até então – dono de uma seriedade musical que não chega a convencer como uma escolha acertada e que, em um primeiro momento, não precisava ser assim tão drástica. Ou será que precisava?
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Como em toda novidade, temos neste recente lançamento tanto pontos positivos quanto negativos – um conjunto de vantagens e desvantagens que, somadas, fazem desse tão esperado #KP4 um trabalho mediano e, para todos os efeitos, morno. O resultado pode não ser o melhor possível, mas representa um retorno que Katy, de certa forma, já esperava receber, conforme subentendem os versos melancólicos da canção que dá título ao disco. Com 16 anos de carreira, a cantora continua escolhendo bem os singles de seus discos e os videoclipes seguem sendo o grande trunfo em seu trabalho de divulgação, mas nem tudo são elogios: na intensa busca de ‘Witness’ pela seriedade e conteúdo, perdemos demasiada qualidade nos arranjos sonoros e temos uma baixa considerável no potencial das melodias.
É claro que, em linhas gerais, o álbum traz o importante posicionamento que faltava à cantora enquanto artista, numa época em que os ícones do pop surgem com frequência como símbolos e porta vozes das causas em que acreditam – Beyoncé, por exemplo, uma bandeira para o feminismo; Bono Vox, o defensor do meio ambiente; Lady Gaga, a incansável representante da causa LGBT. Isso, por si só, é mérito para a cantora. A presença de opinião em ‘Witness’ é tão marcante que, por sinal, acaba saindo da esfera política e social para abraçar, também, a inimizade com Taylor Swift, publicamente evidenciada (embora fosse de conhecimento geral) na quarta faixa do álbum, realizada em colaboração com a cantora Nicki Minaj.
‘Witness’ conta com uma série de boas composições e, embora apresente algumas batidas dançantes, nenhuma das músicas é, de fato, alegre – sendo esta, talvez, a maior ruptura de Katy em sua atual fase política: deixar para trás a combinação de fluffy e hot que construiu sua imagem e conquistou boa parte do público que a acompanha. No novo projeto, a ingenuidade e as suposições deram lugar às certezas avassaladoras de uma mulher de 32 anos, preparada para explorar a própria ousadia e as inúmeras possibilidades que o universo pop lhe permitem. E isso, de forma alguma, é demérito para Katy, que ganha pontos pelos bons discursos que se permite entoar sem medo da crítica ou da reação dos fãs.
Na música de abertura, que dá nome ao disco, conhecemos a busca da cantora por uma testemunha que permanecesse a seu lado mesmo quando perdesse tudo. Seguindo a lista de faixas, ‘Hey Hey Hey’ e ‘Power’ surgem como exaltações da força feminina, cada uma com ótimos versos; enquanto ‘Déjà Vu’ denuncia a exaustão da mesmice e ‘Mind Maze’ soa como um triste pedido por salvação. A angústia também se sobressai em ‘Miss Your More’, um relato amargo sobre arrependimento, e está presente até em ‘Bigger Than Me’, um desabafo sobre romper padrões. A metáfora da sensualidade toma conta de ‘Tsunami’ enquanto ‘Save as Draft’ soa familiar ao trazer aquelas mensagens que nunca são enviadas. Todas, sem exceção, trazem ótimas letras – logo, o problema comum a todas essas faixas, contudo, é a melodia parecida uma com a outra, as batidas eletrônicas que sempre parecem ser as mesmas e a sensação de estar, o tempo todo, ouvindo uma música só. A salvo raras e pontuais exceções, o amadurecimento musical de Perry pode ter sido excessivo e, consequentemente, parecer entediante para quem não compartilha do processo criativo da artista e consome, somente, o produto final.
As melhores canções são os singles, que começaram a ser divulgadas a partir de fevereiro. O grande destaque é, sem dúvida, ‘Chained to The Rhythm’, que lembra a icônica ‘Firework’ tanto na proposta quanto na execução: uma faixa de contexto poderoso, que não esquece a boa melodia e o comportamento para cima, outrora tão característico a Perry. Na sequência, acompanhada de um excelente videoclipe, temos ‘Bon Appétit’, que mesmo sendo uma das melhores faixas de ‘Witness’, causa estranheza com a presença de um grupo declaradamente machista como o Migos em um álbum que se propõe a falar e defender o feminismo. O terceiro single não fica atrás: ‘Swish Swish’ nos ganha pelo número de vezes que toca, sendo uma canção mais pegajosa e divertida a cada vez que damos play.
Em seu quarto álbum, Katy Perry surge claramente mais madura e a percepção do novo trabalho é diretamente ligada à opinião individual de cada um sobre a importância dessa fase na trajetória musical da cantora. Para quem achava, em fim, que estava na hora de abandonar a decoração colorida dos shows e investir em uma linha mais sóbria, monocromática e sensual, ‘Witness’ pode ser o início de algo bom – um importante pontapé para que, nos trabalhos futuros, Katy nos ofereça um resultado ainda maior e significativo. Por outro lado, para quem via na personalidade de Perry um diferencial em relação às outras personalidades do pop e a encarava como algo que não precisava ser aprimorado, uma vez que foi esse o elemento que formou a sua fanbase, o KP4 pode soar um pouco fora de lugar. Afinal de contas, embora evoque uma mulher corajosa, determinada e forte, que se posiciona com bravura sobre as causas que advoga, ‘Witness’ deixa um pouquinho a desejar no quesito sonoridade, o elemento imprescindível de qualquer discografia que se preze.
Se você é neutro, o nosso veredito é sincero: ‘Witness’ é um álbum quase bom. Assim como o ‘Joanne’ de Lady Gaga, o ‘ANTI‘ de Rihanna e o ‘Glory’ de Britney Spears, o KP4 não será um disco campeão de vendas, não é o tipo de obra que deixa a crítica sem argumentos e, infelizmente, não tem hits arrasadores, do tipo que, com o passar dos anos, se tornam hinos da música pop, como o atemporal ‘Firework’. As faixas boas do álbum são esquecíveis e a busca por uma sonoridade diferenciada tornam as melodias razoáveis e, no máximo, bacaninhas.
Se isso é o um problema? Não necessariamente. A melhor coisa sobre o álbum é a sua válida tentativa de fazer algo inusitado e diferente, uma vez que é assim, saindo da zona de conforto e ousando, que se chega a resultados excepcionais. Katy Perry é uma artista consagrada e vai continuar sendo, mesmo com um álbum de menor apelo comercial na discografia. Afinal, convenhamos: se alguém podia tirar tudo do lugar e se dar ao luxo de mudar tudo que achasse pertinente, sem olhar para trás, esse alguém era ela.
Por Uber7