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Seu ídolo também pode ser uma pessoa abusiva


É difícil acreditar que um homem como Johnny Depp, que crescemos assistindo nos cinemas e na “Sessão da Tarde”, possa ser abusivo. Mas a verdade é que caras bacanas como ele também podem ser agressores de mulheres

Na semana passada, escrevi um texto sobre a descrença social enfrentada pelas vítimas de violência doméstica quando estas resolvem denunciar seus agressores. Como exemplo, utilizei o caso envolvendo Amber Heard, que acusa o ex-marido Johnny Depp de agressão, afinal de contas, é um caso de grande repercussão, pois envolve duas celebridades, e porque mostra que, não importa quanto dinheiro, fama ou prestígio uma mulher tenha, enquanto mulher, ela está sujeita a sofrer qualquer tipo de abuso.

Em seguida, recebi alguns comentários de pessoas que acham impossível que Johnny Depp seja capaz de agredir Amber Heard. Provavelmente ela estaria inventando tudo para conseguir tirar dinheiro dele (pois é tudo o que as mulheres sempre querem) e para conseguir chamar atenção. Para muitos, o ator não preenche os “requisitos” de quem faz esse tipo de coisa.

Mas a verdade é que pessoas abusivas não andam com um carta sobre a cabeça dizendo: ‘eu sou abusivo’. Não existe um tipo “certo” de agressor (ou de vítima). É por isso, creio eu, que seja assustador para muitos ver Johnny Depp ser acusado de violência doméstica, pois quebra toda aquela idealização criada em torno da imagem dele. Muitos cresceram assistindo a seus filmes na “Sessão da Tarde” e nos cinemas. Talvez ele seja o protagonista do filme preferido de alguém.

O Buzzfeed fez uma matéria bacana sobre esses homens, considerados “caras legais”, mas que são acusados de agredir suas parceiras.

“Ainda há a noção perigosa de que o abusador é um determinado ‘tipo’ de pessoa, que você conseguiria reconhecer de longe”, afirmaram representantes da Women’s Aid, entidade beneficente contra a violência doméstica, ao BuzzFeed Notícias. “Na verdade, o abuso doméstico é muito mais complexo do que isso – especialmente se o abuso cometido não é físico. O abuso doméstico está presente em todos os setores da sociedade: não existe isso de vítima ou agressor típico.”

E Johnny Depp não foi o único acusado de agredir sua parceira: Chris Brown, Dado Dolabella, Sean Penn, Mickey Rourke, Nicolas Cage, Michael Fassbender, Charlie Sheen, Mel Gibson e Sean Connery são alguns dos homens famosos que também foram denunciados por violência doméstica. Ainda assim, quase todos continuam trabalhando, fazendo fama e fortuna e ganhando prêmios, como se não precisassem ser cobrados por suas atitudes.

Dessa forma, vamos tratando esse tipo de agressão como se não fosse da nossa conta. Ou pior: como algo sem importância. E aí vamos naturalizando a violência contra a mulher.

Vale lembrar: segundo dados da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), o Brasil registra 1 caso de violência contra a mulher a cada 7 minutos (a maioria das vítimas são negras). A cada 4 minutos, uma mulher é atendida em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). E a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada, um crime ainda muito subnotificado. De acordo com as informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, estima-se que apenas 10% deles sejam denunciados. No mundo todo, cinco mulheres morrem por hora em decorrência da violência doméstica.

E ainda assim, seguimos procurando formas de desacreditar a vítima, procurando por qualquer coisa que a torne a única responsável pelo que aconteceu, ou ainda para mostrar que nunca houve qualquer ato de violência. Isso tudo explica o motivo para que muitas vítimas nunca denunciem seus agressores. Muitos continuam soltos, trabalhando, vivendo suas vidas e, talvez, fazendo novas vítimas. Enquanto isso, seguimos em silêncio, fazendo de conta que homens como Johnny Depp seriam incapazes de fazer mal a alguém.

Caras legais como ele podem ser abusivos. Caras legais como ele podem ser afetuosos com todos, mas podem ser exatamente o contrário com suas parceiras. É verdade que nunca saberemos o que de fato aconteceu entre ele e Amber Heard, mas fica a dúvida: por que à vítima é dado descrédito enquanto ao agressor é dado o benefício da dúvida (ou até isenção de qualquer responsabilidade)?

Por Artur Francischi do Prosa Livre


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