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Uma conversa sobre diversidade no cinema com a criadora da hashtag #OscarsSoWhite


O Oscar acabou, mas a discussão sobre diversidade continua. Conversamos com April Reign, criadora da hashtag #OscarsSoWhite, e ela tem muita coisa para falar

A temporada de premiações no cinema acabou, mas a discussão sobre diversidade em Hollywood deve continuar por muito tempo, afinal, essa é uma indústria que falha todos anos em representar minorias em suas produções.

Um estudo do ano passado, feito pela Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo, da Universidade do Sul da Califórnia (USC), comprova essa exclusão de minorias na maior indústria cinematográfica do mundo. Foram avaliados 700 filmes campeões de bilheteria lançados entre 2007 e 2014 – exceto o ano de 2011 -, e constatou-se que mulheres, minorias étnicas e LGBTs são pouco representados na sétima arte: enquanto mulheres ficam com 30% de todos os papéis, negros representam 12,5%, asiáticos 5,3%, latinos 4,9% e índios americanos 1%. Em 2014, gays, lésbicas e bissexuais foram apenas 19 personagens entre as grandes produções. Pessoas trans sequer foram representadas entre essas grandes produções.

Atrás das câmeras, a figura não é animadora. O mesmo estudo da USC verificou, por exemplo, que em 2014, as mulheres ficaram com apenas 15,8% dos cargos de direção, roteiro e produção em filmes. Na televisão, durante a temporada 2013-2014 das séries, elas dirigiram somente 16% de todos os episódios exibidos. Não é à toa que uma agência federal iniciou uma investigação sobre a baixa contratação de mulheres nos cargos de direção em Hollywood.

O Oscar também não está imune. O considerado prêmio máximo do cinema não indicou, pelo segundo ano consecutivo, qualquer ator e atriz de minorias étnicas nas categorias de atuação. E, pelo segundo ano consecutivo, a hashtag #OscarsSoWhite apareceu, mas, desta vez, mais forte.

Criada em 2015 pela editora-executiva do Broadway Black e ex-advogada, April Reign, o objetivo era chamar atenção para a falta de diversidade na premiação. Não demorou para que a hashtag começasse a ser compartilhada e a pautar as conversas sobre diversidade em Hollywood, fazendo manchetes ao redor do mundo. Não só isso, April conseguiu com que a Academia do Oscar começasse a fazer mudanças em sua própria estrutura, cujo corpo de membros é 91% masculino e 76% branco.

https://twitter.com/ReignOfApril/status/555725291512168448?ref_src=twsrc%5Etfw

Tweet: “#OscarsSoWhite, eles pediram para tocar no meu cabelo.”

April Reign começou o movimento #OscarsSoWhite, pedindo não apenas a representação de negros no cinema, mas também de latinos, asiáticos, nativo americanos, mulheres, LGBTs, pessoas com deficiência e todas as pessoas que pertencem a minorias.

Foi por isso que convidei a April para uma entrevista. Conversamos sobre diversidade no cinema, a participação das mulheres em Hollywood e como nós, o público, podemos ajudar a tornar o cinema mais diversificado.

Prosa Livre: O #OscarsSoWhite começou em 2015 e voltou neste ano ainda mais forte. Em 2016, até mesmo jornais brasileiros começaram a falar sobre a falta de diversidade entre os indicados ao Oscar. Por que você acha que a resposta ficou maior?

April Reign: Acho que a resposta ficou maior neste ano porque, talvez, as pessoas pensaram que um ano foi apenas uma casualidade, um erro. Mas dois anos seguidos [de #OscarsSoWhite] mostrou que há um padrão e, portanto, não poderia mais ser ignorado.

PL: Muitos criticaram o monólogo de Chris Rock no Oscar, dizendo que não foi “muito amplo”, porque não incluiu latinos, asiáticos e nativo americanos na conversa sobre diversidade. O que você achou do monólogo?

AR: Eu não vi o monólogo dele ao vivo, porque nós estávamos engajados em uma contra programação no domingo, então eu não assisti ao Oscar. Eu ainda não vi tudo, mas ouvi sobre. Tudo que posso dizer é que Chris Rock falou a partir de sua perspectiva enquanto homem negro e comediante. Chris Rock não é o porta-voz do #OscarsSoWhite. Meu objetivo sempre foi incluir todas as comunidades marginalizadas: gênero, orientação sexual, pessoas com deficiência, comunidades indígenas e todas as pessoas de cor.

Eu acho que houve uma oportunidade para que ele fosse mais inclusivo, mas não cabe a mim dizer o que ele deveria, ou não, dizer. Ao mesmo tempo, eu acho que sua performance, como todas as outras, estão abertas a críticas.

PL: A diversidade se tornou um assunto do momento agora e uma lista de artistas têm falado bastante sobre o tema, como a Viola Davis. Você acha que essa é uma forma de começar essa mudança que já está atrasada na indústria cinematográfica?

AR: Acho que, a partir do momento que existe uma indignação mundial, você gostaria de ver a organização mudar. Você precisa sentar e anotar. Para ser mais clara: #OscarsSoWhite começou no ano passado. Há figuras públicas e celebridades falando sobre a falta de inclusão de comunidades marginalizadas no cinema há décadas. Viola Davis é um ótimo exemplo de uma delas. Então, a hashtag #OscarsSoWhite é um bom ponto de mobilização para as pessoas e as redes sociais ajudaram muito a espalhar a mensagem. Mas houve muitas pessoas falando sobre essas questões há décadas, muito antes da hashtag ser criada.

PL: E você acha que agora veremos uma mudança real na indústria?

AR: Acho que sim. A Academia anunciou mudanças em sua estrutura e a entrada de membros mais diversificados nos próximos 4 ou 5 anos, [o que] é um bom primeiro passo; a mudança na estrutura de votação é um bom primeiro passo. E nós vimos agora até J.J. Abrams [diretor de “Star Wars: O Despertar da Força”], um renomado cineasta, anunciar hoje ou anteontem [a entrevista foi realizada no começo de março], que ele mudará a forma como ele escolherá filmes, não somente em relação a atores e atrizes, mas também com relação a quem irá trabalhar atrás das câmeras. Isso é muito importante. Ele é um diretor muito conhecido e muito respeitado, então, vê-lo assumindo isso publicamente mostra que ele quer fazer mudanças.

PL: É justo dizer que os estúdios não fazem filmes com um elenco diversificado porque é “muito arriscado”, no sentido de que não será lucrativo?

AR: É justo dizer isso, sim, porque é isso o que eles dizem. Os estúdios dizem que, a hipótese deles é a de que filmes estrelados por pessoas de cor ou mulheres não irá bem nas bilheterias, por isso não os escolhem para papéis de protagonistas. Contudo, se você pegar um filme como “Star Wars: O Despertar da Força”, você tem um negro (John Boyega), uma mulher (Daisy Ridley) e um latino (Oscar Isaac) como protagonistas, e esse filme arrecadou US$ 1 bilhão de dólares no mundo todo. Então, “Star Wars” acaba com essa teoria, porque pessoas de cor e mulheres conseguem colocar as pessoas nas poltronas do cinema. Nós também sabemos que filmes com elencos diversificados fazem mais dinheiro. Há estatísticas que mostram isso. Porque se uma história é boa, todo mundo vai assisti-la, independente de onde elas vêm.

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Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac e Lupita Nyong’o

PL: No ano passado, eu escrevi um artigo exatamente sobre “Star Wars” acabar com essa teoria, porque possui uma mulher, um negro e um latino como protagonistas, e ter ido muito bem na bilheteria, o que mostra que as pessoas querem mais dessas histórias.

AR: Exatamente isso. Esse é o ponto de #OscarsSoWhite: se o trabalho é bom, se a história é forte, as pessoas assistirão. Então, por que não fazer o filme a partir de uma perspectiva maior? Por que não dar a oportunidade de contar a história a diretores de cor e àqueles de comunidades marginalizadas? Por que não permitir que mais roteiristas de comunidades marginalizadas possam escrever o filme a partir de suas perspectivas?

PL: Recentemente, vimos muitas mulheres reclamando de machismo na indústria. Patricia Arquette e Jennifer Lawrence falaram sobre a disparidade salarial, Viola Davis e America Ferrera falaram sobre racismo, Catherine Zeta-Jones falou sobre ageísmo, e tantas outras reclamaram de problemas que enfrentam por serem mulheres em Hollywood, como ter poucas oportunidades na atuação, roteiro e direção. Você acha que essa é uma forma efetiva de desafiar o sistema de Hollywood?

AR: Acho que pode ser. Da mesma forma que você vê #OscarsSoWhite como uma campanha mundial, quanto mais vozes você tiver falando sobre um problema específico, há mais chances de mudança. Com certeza há problemas de ageísmo, machismo, desigualdade de gênero na indústria do entretenimento, também. E eu apoio a luta de inclusão nessas questões também.

PL: Algumas mulheres como Jessica Chastain e Queen Latifah lançaram uma produtora, a fim de contar histórias sobre mulheres. É um movimento similar ao de Reese Witherspoon, que lançou a Pacific Standard, e Viola Davis, que lançou a Juvee. Você acha que as mulheres estão liderando essa conversa sobre diversidade?

AR: Não necessariamente sobre diversidade, mas sobre respeito à igualdade de gênero. E acho que é importante que elas façam isso. É triste que elas tenham que operar fora do sistema de Hollywood porque não têm apoio dentro dele, mas ter sua própria produtora permite que você conte as histórias que você quer contar, algo que as pessoas de cor têm feito também. Spike Lee tem sua própria produtora. Acho que é importante, mas também acho que não deveriam ser as comunidades marginalizadas responsáveis por fazer a mudança em outro lugar. Nós precisamos continuar a pressionar Hollywood para mudar, para que possamos operar dentro do sistema também. Mas até lá, é muito importante que o público apoie essas produtoras que estão contando histórias de comunidades marginalizadas.

PL: É engraçado você dizer isso porque essa seria minha próxima pergunta: o que nós, enquanto público, podemos fazer para ver mais diversidade nos filmes?

AR: É simples: seja mais consciente sobre os filmes que você quer ver e, talvez, não apoie filmes que não te representem. E apoie, não só com seu dinheiro, mas com suas palavras aquelas produções, filmes e entretenimento que conversem com você, que são protagonizados por pessoas de cor. Além disso, nós podemos escolher ir aos cinemas menores. Ao invés de ir ao grande cinema que tem 20 ou 40 filmes em exibição, vá aos cinemas independentes, porque eles fazem um trabalho independente e trazem filmes sobre comunidades marginalizadas que nós não veríamos de outra maneira. Também acho que podemos continuar a apoiar festivais de cinema que trazem filmes de comunidades marginalizadas, como o Festival de Cinema Negro de Toronto, Sundance, Tribeca, locais em que as pessoas dessas comunidades têm a oportunidade. Precisamos continuar a apoiá-los.

PL: Eu, enquanto homem gay, acho frustrante porque não vejo muitos filmes sobre pessoas como eu ou pessoas LGBT.

AR: Sir Ian McKellen [assumidamente homossexual] disse algo interessante há um tempo. Ele disse que viu homens heterossexuais ganharem um Oscar por interpretarem homens gays e, mais uma vez, ele teve de colocar seu discurso no bolso porque foi ignorado. Eu falo disso porque #OscarsSoWhite cobre diferentes orientações sexuais também. Eu falei especificamente sobre o filme “Carol”, da Rooney Mara e Cate Blanchett. Foi um lindo filme, mas me pergunto se a história poderia ter sido mais rica se um membro da comunidade LGBTQ fosse uma das atrizes e pudesse levar seus referenciais enquanto lésbica ou queer. Há uma miríade de exemplos. Eddie Redmayne interpretou uma mulher trans em “A Garota Dinamarquesa”. Mas por que não uma mulher trans para aquele papel?

Há incontáveis exemplos. E os filmes nem precisam ser centrados na sexualidade. “Perdido em Marte”, com o Matt Damon, foi um ótimo filme. Mas por que seu personagem não poderia ter sido um homem gay? Ou até ser um personagem heterossexual interpretado por um homem gay. Há oportunidades por aí, e eu espero que Hollywood comece a fazer essas perguntas. Não “quem podemos escolher?”, mas “quem não podemos escolher?” [ou] “por que não alguém de uma comunidade marginalizada?”.

Não há nada que diga que uma pessoa LGBTQ ou com deficiência não tenha a mesma rica experiência que todos têm. E as pessoas precisam perceber isso. Nós temos tanto em comum, mas vamos, também, apreciar e celebrar nossas diferenças.

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Eddie Redmayne como Lili Elbe em “A Garota Dinamarquesa”

PL: Em suas palavras: por que representatividade importa?

AR: Representatividade importa porque meus filhos deveriam ter a oportunidade de escolher entretenimento, como filmes, peças de teatro, músicas que os representem, que conversem com suas experiências, porque todos nós temos algo para dar e algo que pode ser compartilhado. E o entretenimento deveria refletir a sociedade e, por isso, todos deveríamos ser representados nele.

PL: Isso é tudo! Você gostaria de acrescentar algo?

AR: Eu gostaria de agradecer a todo mundo que apoiou a campanha #OscarsSoWhite. Nós não acabamos. O objetivo é de que a hashtag se torne irrelevante, mas nós vamos lutar até que isso aconteça.

Para saber mais sobre a April Reign, ela possui uma página onde você encontra mais informações sobre ela, a Reign Of April, e ela também está no Twitter, @ReignOfApril, onde continua com a campanha #OscarsSoWhite e cobrando por mais diversidade de Hollywood.

*Por Artur Francischi do Prosa Livre


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